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  • Foto do escritorTarsila Galvão Domene

A FORMAÇÃO DE UM FÍSICO

Atualizado: 8 de abr. de 2020

Lembro que meus pais levavam-me às vezes para visitar o famoso Jardim do Chá japonês em San Francisco. Uma das minhas lembranças é a de ficar agachado junto ao laguinho, mesmerizado pelas carpas que nadavam lentamente por sob os nenúfares. Naqueles momentos tranquilos, podia fazer a mim mesmo perguntas bobas que só poderiam ocorrer a uma criança, como, de que modo as carpas naquele laguinho viam o mundo à sua volta? E eu pensava, que mundo estranho deve ser o delas!

Vivendo suas vidas inteiras naquele tanque raso, as carpas deviam acreditar que seu ‘’universo’’ consistia em água turva e nenúfares. Passando a maior parte de seu tempo à procura de alimento no fundo do tanque, elas mal deviam ter noção de que poderia existir um mundo estranho acima da superfície. A natureza do meu mundo estava acima da sua compreensão. Eu ficava intrigado por poder me postar a apenas poucos centímetros das carpas e estar, contudo, separado delas por um imenso abismo. As carpas e eu vivíamos nossas vidas em dois universos distintos, sem nunca penetrarmos o mundo um do outro e, no entanto separados apenas pela mais fina das barreiras, a superfície da água.

Certa vez imaginei que podia haver carpas “cientistas” vivendo entre os peixes. Provavelmente, pensei, elas zombariam de qualquer peixe que sugerisse a possível existência de um mundo paralelo logo acima dos nenúfares. Para uma carpa “cientista”, as únicas coisas reais eram as que o peixe podia ver ou tocar. O tanque era tudo. Um mundo invisível além do tanque não fazia nenhum sentido científico.

Uma vez uma tempestade me pegou. Notei que a superfície do tanque foi bombardeada por milhares de minúsculas gotas de chuva. Ela se tornou turbulenta, e ondas passaram a empurrar os nenúfares em todas as direções. Abrigando-me contra o vento e a chuva, pensei como tudo aquilo seria visto pelas carpas. Para elas, os nenúfares pareceriam estar se movendo de um lado para o outro por si mesmos, sem que nada os empurrasse. Como a água dentro da qual viviam deveria parecer invisível, tal como o ar e o espaço à nossa volta, elas deveriam ficar por entender como os nenúfares podiam se mover de um lado para outro por si mesmos.

Seus “cientistas”, eu imaginava, iriam urdir um engenhoso invento chamado “força” para ocultar sua ignorância. Incapazes de compreender que podia haver ondas na superfície invisível, iriam concluir que os nenúfares eram capazes de se mover sem serem tocados, porque uma entidade invisível e misteriosa chamada força agia entre eles. Poderiam dar a essa ilusão nomes impressionantes, pomposos (tal como ação-a-distância, ou a capacidade que têm os nenúfares de se mover sem que nada os toque).

Uma vez imaginei o que aconteceria se eu esticasse o braço e tirasse uma das carpas “cientistas” de dentro do tanque. Antes que eu a jogasse de novo na água, ela poderia se debater furiosamente enquanto eu a examinasse. Pensei como isso apareceria aos olhos do resto das carpas. Para elas, seria um evento verdadeiramente desnorteante. Iriam notar em primeiro lugar que um de seus “cientistas” desaparecera de seu universo. Simplesmente desaparecera, sem deixar um vestígio. Onde quer que buscassem não haveria um sinal da carpa desaparecida em seu universo. Depois, segundos mais tarde, quando eu a jogasse de volta no tanque, o “cientista” iria ressurgir abruptamente do nada. Para as outras carpas, pareceria que um milagre acontecera.


Depois de se recobrar do pânico, o “cientista” iria contar uma história verdadeiramente assombrosa. “Sem mais aquela”, ele diria, “fui erguido de alguma maneira para fora do universo (o tanque) e lançado num outro mundo misterioso, com luzes cegantes e objetos estranhamente bem delineados que eu nunca vira antes. O mais estranho de tudo era a criatura que me aprisionou e que não tinha nem sombra de barbatanas, mas, apesar disso, era capaz de se mover. Ocorreu-me então que as leis da natureza com as quais estava familiarizado não se aplicava nesse mundo. Depois, de maneira igualmente repentina, vi-me lançado de volta no nosso universo.” (Evidentemente, esta historia de uma viagem além do universo pareceria tão fantástica que a maioria das carpas a rejeitaria como pura lorota).

Frequentemente, penso que somos como as carpas que nadam satisfeitas naquele tanque. Vivemos nossas vidas inteiras em nosso próprio “tanque”, certos de que nosso universo consiste apenas naquelas coisas que podemos ver ou tocar. Como o das carpas, nosso universo consiste unicamente no conhecido e no visível.


Presunçosamente, recusamo-nos a admitir que, ao lado do nosso universo, possam existir universos ou dimensões paralelos, simplesmente fora de nosso alcance. Se nossos cientistas inventam conceitos como os de forças, é apenas porque não são capazes de visualizar as vibrações invisíveis que enchem o espaço vazio à nossa volta.


Autor: Michio Kaku

Fonte: Hiperespaço - Uma Odisséia Científica Através de Universos Paralelos, Empenamentos do Tempo e a Décima Dimensão.


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